segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

As faces da adoção



Talitha Isabel e Carolina Vidal* 


Andando pelas ruas do bairro Santa Maria, em Santos, chegamos ao número 675 da Rua Carlos Caldeira, poucos minutos antes das 9h. Dali, nasciam os barulhinhos efervescestes de crianças brincando. Em um sobrado de fachada simples, que qualquer pedreiro pensaria em umas dezenas de reparos a serem feitos, funciona uma das três unidades da casa Vó Benedita, que abriga cerca de 30 crianças.

A instituição, fundada em 1976 por Benedita de Oliveira, foi criada com o intuito de abrigar jovens vítimas de abusos, maus tratos ou abandonos. Hoje, com uma equipe de com 35 funcionários, entre psicólogas, assistentes sociais, atendentes de telemarketing, motoboy, motoristas, monitoras, auxiliar de cozinha e limpeza, a Casa é o lar de crianças e adolescentes, na sua maioria, com idade superior a 11 anos.

No Brasil, são 5.400 abrigos como esse. Situação que seria facilmente resolvida se o perfil de criança solicitado por 80% das quase 29.500 famílias inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), fosse mais próximo da realidade de quem espera por um lar.

O CNA, sistema lançado em 2008, com o objetivo de agilizar os longos processos de adoção por meio do mapeamento de informações unificadas, acusa que o perfil mais procurado é de ‘menina, com menos de três anos, de pele branca, sem irmãos e sem necessidades especiais’. É o caso de uma família que está prestes a adotar um recém-nascido que mora na Casa. Eles esperam há oito anos por uma criança que se encaixa perfeitamente às características citadas.

Para adotar uma criança, após preencher uma extensa ficha cadastral, é necessário que o candidato passe por uma maratona de entrevistas com assistentes sociais e psicólogos, aguarde o parecer de juízes, que avaliam o estilo de vida e a situação financeira, o chamado processo de habilitação social. Se aprovados nessas etapas, daí começa a jornada na visita a abrigos e orfanatos em busca do filho. Em Santos, há por volta de 20 técnicos judiciais habilitados para fazer estas entrevistas. 



A assistente social da Casa, Maria Fernanda da Silva Cardoso, diz que o processo de habilitação para adotar uma criança dura por volta de seis meses. O maior problema é a distância entre o desejo de criança ideal das famílias e a realidade das que moram no abrigo. “As crianças que estão aqui, se chegaram bebês, é porque a mãe é dependente química ou moradora de rua. A saúde da criança já está comprometida devido às condições da mãe durante a gestação. Quem é um pouco maior, sempre tem pelo menos um irmão”.

A história descrita no filme Juno (Fox, 2007), onde uma menina de 16 anos, de classe média, tem uma gravidez indesejada e entrega seu filho para adoção, pois se sente despreparada para a maternidade vai contra o cenário relatado por Alethea da Costa Silva, secretária da diretoria da Casa Vó Benedita.

Além dos traumas psicológicos, muitos chegam com a saúde física comprometida, e com a dúvida se a voltarão para a família biológica ou serão encaminhados para outra.

A decisão sobre o futuro dos menores fica por contas dos juízes das Varas de Família. Quando recebem uma denúncia de algum menor em situação de risco, os magistrados suspendem o poder familiar, ou seja, a guarda da criança passa provisoriamente para um membro da família extensiva (avós, tios, primos, irmãos, etc) ou na falta de um parente próximo com condições de manter esta criança (ou crianças, o que é recorrente), a guarda é passada para uma instituição.

Atualmente, em Santos, há em torno de 75 pretendentes a adotar alguma criança, e somente 30 crianças para adoção, sendo que a maioria das crianças está acima dos 11 anos.

O dia-a-dia de quem mora em um abrigo

Pontualmente às 9h30, chega à instituição uma senhora beijoqueira. Por cada criança que passa distribui um beijo, um abraço e um bom dia com um sorriso. Elizabeth Rovai de França, conhecida por todos como ‘Tia Beth’, é a diretora da Casa Vó Benedita e passa o dia dividindo o tempo entre as unidades da instituição. É ela quem ‘segura as pontas’ para administrar o modesto orçamento em torno de R$ 20 mil disponibilizados pela Prefeitura de Santos e complementado por doações.

A instituição ainda conta com ajuda de alguns projetos das Prefeituras da Baixada Santista, grupos de apoio à adoção e ONG’s que também servem de suporte no atendimento, como ‘Projeto Tô Ligado’, Dentistas do Bem, Padrinho Nota 10, Maternizar, CVC, entre outros.



Tratando todos como filhos, Tia Beth faz o possível para que o cotidiano das crianças seja o mais próximo da vida diária de qualquer outra criança. “Todos vão à escola, fazem lição de casa, mexem no computador, brincam, conversam, saem para passear. Quanto aos mais velhos, a instituição sempre busca capacitá-los para o mercado de trabalho, pois assim eles têm maior chance de se dar bem na vida quando chegar a hora de ir”.

Além do cadastro no CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), uma das unidades da Casa é dedicada ao Programa Jovem Aprendiz Petrobrás, que proporciona aos jovens a partir de 14 anos cursos profissionalizantes, palestras e preparação para estágios. Infelizmente, nem todos que vivem na instituição e estão na idade de participar deste programa são elegíveis, pois boa parte está com o calendário escolar bastante atrasado.

A relação entre salário e futuro é discutida antes dos jovens começarem a trabalhar. De acordo com o perfil de cada adolescente, as assistentes sociais e psicólogas preparam cada um para administrar o dinheiro, aconselham e ajudam a economizar. Normalmente, do salário que o adolescente ganha, a casa coloca, em média, a metade em uma poupança. O resto é entregue nas mãos do adolescente.

Além disso, a casa proporciona às crianças e aos adolescentes vários passeios, chamados por eles de ‘Dia Especial’. Vão ao cinema, fazem o dia da pizza ou qualquer atividade para entretenimento. Esses dias só são possíveis graças à ajuda de voluntários ou de instituições públicas ou privadas.

Quando a adoção não dá certo

Érica é um dos adolescentes que moram na instituição. No tempo livre, ela gosta dançar, encontrar com as amigas, e como toda adolescente fica ‘grudada’ no smartphone. Acima de tudo, a atividade favorita é ouvir música, coisa que não parou de fazer nem ao ser entrevistada. Sua paixão pelo funk fez com que a Tia Beth assistisse, junto a ela e outras adolescentes da Casa, ao show do Mr. Catra.

Aos 17 anos, já passou por três tentativas frustradas de adoção, sendo uma delas com membros da família biológica (pai e tia). Érica tem uma irmã, Evelin, de 12 anos, e chegou ao abrigo aos nove. Com dificuldades na escola, ela acaba de terminar o ensino fundamental pelo Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e, este ano, começa o primeiro ano do ensino médio paralelo ao curso técnico em enfermagem no SENAC, os primeiros passos para a realização do sonho de estudar Medicina e se especializar em Pediatria.

Apesar da tentativa de reintegração com a família não ter tido sucesso, a adolescente continua muito apegada ao pai. “Ligo para ele toda semana. Ele vem me visitar toda quarta-feira, quando não dá, eu peço autorização e vou até à casa dele.” Sobre a vida após ter que deixar o abrigo, Érica deseja morar numa casa próxima à instituição e ao pai.



Quando a adoção dá certo

Silene Trindade, bancária, 32 anos e Alexandre Barros, empresário, 36 anos, estão casados há apenas cinco anos. Após várias tentativas de engravidar, tratamentos e inseminações que resultaram em cinco abortos nos últimos três anos, Silene se rendeu ao desejo que compartilhava com o marido de adotar uma criança.

O casal já era envolvido com trabalhos sociais em sua igreja e, por um amigo, conheceu a Casa Vó Benedita, onde há um ano é voluntário. Nesse tempo, Silene e Alexandre abriram ficha no Cadastro Nacional de Adoção e começaram a participar dos encontros do Grupo de Apoio à Adoção, todas as primeiras quintas-feiras de cada mês, no Educandário Anália Franco.

Depois de algumas visitas à Casa da Vó Benedita, o casal conheceu Ezequiel, de 12 anos, garoto carinhoso, simpático e meigo. Ele possui dois irmãos, um mais velho e um mais novo, do qual sente bastante falta, pois o caçula foi adotado e a família não quer manter contato com os irmãos, pelo menos por enquanto. Após alguns momentos conversando com o garoto, Silene já havia se decidido que ele era especial, e então o casal decidiu adotá-lo.

Há três meses, Ezequiel possui uma nova família, e ainda faz questão de voltar quase todos os dias à instituição para visitar as tias, os antigos companheiros de casa e o irmão mais velho. Este ano, Ezequiel irá não só viver em uma casa nova, com uma nova família, mas também irá para uma escola particular e para uma escolinha de futebol diferente.

Mesmo com todas as mudanças na vida do filho, o casal não quer que ele perca o contato com os irmãos. Por isso, Alexandre e sua esposa tentam convencer a família que adotou o mais novo a permitir que eles se encontrem.

O casal está surpreso com a aceitação e apoio dos parentes e amigos. O menino é parecido com Alexandre e possui sardas no rosto como Silene. Mesmo com pouco tempo de convivência, essa nova família espera a guarda definitiva, para que Ezequiel se torne filho deles no papel, pois no coração isso aconteceu há muito tempo.

* Esta é a quarta reportagem da série "Os Indesejados", projeto produzido por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). 


Nenhum comentário:

Postar um comentário