sexta-feira, 10 de maio de 2013

Cultura do estupro


“O problema número um do Congo são os estupros. Matam mais que a cólera, a febre amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, onde encontra uma mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco, dez, quantos sejam. Aqui, o sexo nada tem a ver com prazer, só com o ódio. Todos os dias chegam neste consultório mulheres, meninas, violadas com bastões, ramos, facas, baionetas. O terror coletivo é perfeitamente explicável.” 

O depoimento, seguido de um choro, é do médico Tharcisse, nascido no Congo e integrante da organização Médicos sem Fronteiras. Ele contou esta história ao escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura em 2010. A conversa entre os dois consta no livro Dignidade, editado a partir de experiências da organização em todo o mundo.

Não podemos nos enganar, no entanto, que a violência sexual é um problema de lugares distantes, de culturas que – por arrogância – classificamos como exóticas para inferiorizá-las. Nem se trata somente de um problema particular como a Índia, que tem povoado o noticiário desde o início do ano, por conta de estupros coletivos. Aliás, a ressonância internacional provocou queda imediata de 25% no número de turistas.

A violência sexual é uma epidemia global, que não possui relação direta com desenvolvimento econômico ou com indicadores sociais favoráveis. Estupros podem ser ou não mascarados pelas estatísticas, mas é uma doença social que alcança a todos.

Nos Estados Unidos, uma mulher é vítima de agressão sexual a cada dois minutos. No Canadá, onde os índices de homicídios são muito baixos, os custos da violência contra a mulher alcançam US$ 2,1 bilhões. Na Suécia, uma em cada três mulheres foi alvo deste tipo de violência. Na vizinha Dinamarca, três em cada dez mulheres sofreram uma agressão sexual ao longo da vida. É o mesmo índice de Bangladesh, país pobre do sul da Ásia.

O Brasil não fica atrás na matemática da violência sexual. O número de estupros cresceu 162% entre 2009 e 2012. No ano passado, dez mulheres foram violentadas por dia no país. Quase metade das agressões aconteceu em vias públicas. Sete em cada dez estupradores conhecem suas vítimas. Muitos residem perto delas, quando não são parentes.

Um dos fatores que ajudam a perpetuar a bestialidade masculina é a impunidade. Um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos do Gênero, da Unicamp, aponta que somente um terço dos casos se transforma em inquérito policial. Em Campinas, maior cidade do interior do São Paulo, por exemplo, somente 9% dos casos acabaram em condenação do agressor.

São Paulo, por sinal, é o Estado brasileiro campeão de violência sexual. Nos últimos quatro anos, foram cerca de 2,5 mil casos. No ranking da selvageria, São Paulo é acompanhado – pela ordem – por Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Pernambuco.

No Rio de Janeiro, houve – oficialmente – dez casos de estupros coletivos no trajeto entre Copacabana e a Lapa este ano. A história só ganhou corpo, infelizmente, quando vítimas foram turistas estrangeiras. A delegada Marta Dominguez, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Niterói, foi exonerada porque teria feito vistas grossas a um dos casos, no final de março.

Peço desculpas ao leitor pela grande quantidade de números. Espero que você se sinta desconcertado e convencido da dimensão do problema. Você deve ter notado que não coloquei em discussão a cidade de Santos e tampouco as causas e outros comportamentos culturais que cercam a violência sexual. Penso que o assunto é importante demais para uma única coluna. Voltarei ao tema na próxima semana.

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