sexta-feira, 17 de maio de 2013

Cultura do estupro II



Na semana passada, escrevi neste espaço sobre a violência sexual como epidemia global. Uma doença que não escolhe endereço, cultura ou nível de desenvolvimento econômico. E, em todos os lugares, persiste a sensação de impunidade, seja por conta de leis mal aplicadas ou inexistentes, seja por valores culturais enraizados até a medula. 

A violência sexual é utilizada, inclusive, como instrumento político. O Centro de Jornalismo Women Under Siege denunciou que os estupros contra homens e mulheres se tornou uma arma na guerra civil da Síria. Segundo a pesquisa realizada pelo Centro, oito em cada dez vítimas são mulheres com idade entre 7 e 46 anos. Sete anos! A maioria dos atos violentos são cometidos por soldados. Muitas vítimas afirmaram ter ouvido, enquanto eram estupradas, frases como: "Você quer liberdade? Isso é liberdade".

Mas vamos aproximar o assunto da janela de casa, conforme prometido. No Estado de São Paulo, quase 13 mil estupros em 2012. Um caso a cada 40 minutos. Em 2005, eram 10 estupros por dia no Estado. Hoje, são 35 vítimas. Na Baixada Santista, aconteceram 545 estupros em 2011. Guarujá lidera a lista com 139 casos. Santos registra, em média, quase dez estupros por mês.

Esta doença permite leitura de variados ângulos. Mas tenho a impressão de que aspectos sociais e econômicos soam como transferência de responsabilidade, na qual o sistema – ou qualquer outro nome que pareça uma entidade abstrata – assinaria a culpa por comportamentos individuais, ainda que muitos estupros sejam coletivos.

Prefiro pensar a questão, neste momento, pela perspectiva cultural. A violência sexual está associada à manifestação mais selvagem do machismo. O estupro é a visão asquerosa de uma sociedade dita civilizada quando se olha no espelho. A mulher não é vista como ser inferior, passível de agressão e posse, apenas durante a violência sexual. O corpo não pertence a ela. É do homem que se julga imbatível, inalcançável por causa de seu órgão sexual.

A mulher não possui voz nem condições mínimas de igualdade para ser capaz de contestar. A posição é servil, de submissão, diante de um dominador que necessita satisfazer suas vontades, necessidades que desprezam a existência do humano no outro.

Além de ser vista como coisa, fator que se estende a quase todas as instituições sociais, a mulher também é classificada como vilã, símbolo que perpetua o comportamento cultural e justifica como natural a bestialidade do agressor. Muitos juízes, por exemplo, presumem o consentimento por parte da mulher, que – embora vítima – tenha que provar o contrário.

E se engana quem acredita que o machismo e a defesa da violência sexual sejam exclusividade masculina. Na semana passada, ouvi uma mulher – dentro de uma universidade - dizer que muitas vítimas pedem para ser estupradas. O pedido se traduziria nas roupas curtas e indecentes. Ela não está sozinha. Poderíamos, então, sugerir à indústria do vestuário que fabricasse camisetas com a estampa: “Por favor, me estupre. Sou uma vadia!”

A Marcha das Vadias, um movimento social internacionalizado, surgiu por conta desta reação cínica e intolerante. Uma mulher ouviu algo parecido de um policial, no Canadá, quando foi denunciar um estupro cometido contra ela.

Enquanto não entendermos os danos provocados por uma cultura essencialmente patriarcal, teremos que assinar embaixo das palavras da coordenadora nacional da Marcha Mundial das Mulheres. Segundo Nalu Faria, “o Brasil é teoricamente livre do ponto de vista da sexualidade, mas se utiliza dessa liberdade para desqualificar e culpar as mulheres.”

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